Facebook em crise de identidade

Demorou, mas aconteceu. O Facebook entrou em crise de identidade.

Quem estuda a estratégia dessas empresas que fornecem plataformas de redes sociais sabe que, a partir de certo momento, elas entram em algum tipo de crise de identidade. Não sabem mais em qual negócio estão. Foi assim com Friendster, Twitter e MySpace. Naturalmente, não seria diferente com o Facebook.

Há 4 anos, o MySpace queria ser tudo ao mesmo tempo. O principal player e loja de música, o mais popular site de compartilhamento de vídeos e fotos (em 2007, o MySpace comprou o Photobucket), o mais relevante site de notícias (quem lembra do MySpace News?), a melhor ferramenta de chat e a maior plataforma de publicidade.

No final das contas, acabou sendo vendida, neste ano, por apenas US$ 35 milhões para uma semidesconhecida rede de anúncios.

Em 2009, mais ou menos, o Twitter também entrou em crise. Começou a crescer e não sabia se era uma empresa de tecnologia, plataforma de rede social ou de conteúdo. Em 2010, Kevin Thau, vicepresidente de negócios corporativos do serviço de microblogging, bateu o martelo – o Twitter não era uma rede social, mas uma empresa de conteúdo.

Apesar de não produzir nenhum conteúdo e de grande parte das informações que circulam pelo serviço de microblogging poder ser encontrada em outros lugares, o Twitter se vê de tal forma.

A crise de identidade resultou em alguns mortos e feridos, como a saída do conceituado engenheiro Alex Payne, que, desde o início, estava no Twitter.

O Facebook chegou àquele momento em que quer ser tudo ao mesmo tempo. A principal plataforma de vídeos, o nosso principal serviço de email e de chat, a mais relevante plataforma para ler notícias, comprar e usar aplicativos, jogar games, nosso principal player de música, compartilhamento de fotos, serviço de geolocalização, de compras coletivas, de videoconferências.

No começo da semana, o Facebook começou a anunciar diversas mudanças, como o botão de assinaturas, por meio do qual é possível assinar o feed de uma pessoa, igual ao Twitter.

Você não é, a rigor, amigo, mas “assinante” de uma pessoa. O que descaracteriza um pouco a rede, tornando-a mais impessoal.

A intenção é fornecer o mesmo tipo de experiência do serviço de microblogging. Ou seja, até o Twitter o Facebook quer ser.

Já a entrada oficial do Facebook no negócio de distribuição de conteúdo foi validada nesta quinta-feira, durante a F8, conferência voltada para desenvolvedores. A plataforma anunciou parcerias com Netflix, Washington Post, Guardian, Spotify, entre outras empresas de conteúdo.

O posicionamento resultou em diversas modificações na interface e na experiência de uso da rede, como a criação de novos botões e uso de verbos (além do “curtir”).

Teoricamente, o novo posicionamento é natural. Empresas de TV a cabo têm essa posição faz tempo. Com uma mão distribuem/entregam conteúdo (TV). Com a outra, fornecem utilitário de comunicação (telefone).

Portanto, nada impede que o Facebook seja, ao mesmo tempo, um utilitário de comunicação e um distribuidor de conteúdo.

A estratégia é natural, contudo gera alguns riscos. É um desafio reunir em um único ambiente e interface expectativas, modelos e experiências tão diferentes.

Utilitários de comunicação geram receita por meio de serviços adicionais. Plataformas de conteúdo por meio de publicidade e assinaturas. Além disso, as expectativas dos usuários são outras. É muito diferente a sua experiência perante a uma MTV (conteúdo), por exemplo, daquela diante de um telefone (utilitário).

Uma coisa que sempre acreditei é que a interface de um site reflete muito quem está por trás dele (o escritor de cultura digital Steven Johnson bate um pouco nessa tecla no livro A Cultura da Interface).

Por exemplo, por trás de um site feio, abandonado e com difícil usabilidade, bem provável que esteja uma empresa que não liga para o digital. Um blog com visual minimalista reflete a personalidade de seu dono. Talvez uma pessoa mais objetiva e direta. Um site de notícias poluído reflete uma empresa que se preocupa com o conteúdo, mas pouco com a forma e o conforto do leitor.

A nova interface do Facebook, que não agradou a maioria dos usuários, reflete a atual fase pela qual a plataforma de rede social está passando. A nova interface é mais efeito que causa.

A interface é complicada, confusa, não é objetiva – destaca a maioria dos comentários sobre as modificações. E o que está acontecendo com o Facebook é justamente isso – uma fase confusa de querer ser várias coisas ao mesmo tempo.

Acredito que o Facebook não reverterá as mudanças. Em 2006 e 2009, a plataforma de rede social fez mudanças tão drásticas quanto as atuais na experiência de uso. As reclamações foram quase idênticas em volume e quantidade, e o Facebook não voltou atrás. Modificações que no início eram tidas como erros, depois passaram a ser vistas como “geniais” pelos usuários.

Pelo visto, o Facebook se apóia numa premissa comum em algumas empresas de tecnologias emergentes. O cliente sempre tem importância, mas nem sempre tem razão.

Dependendo do ponto de vista, pode ser uma ideia positiva ou negativa. Algumas vezes é bom não ouvir mesmo os usuários. Outras vezes, porém…

Veja também: Para Facebook, o que mais importa numa mensagem é quem a envia

15 respostas para “Facebook em crise de identidade”.

  1. […] Tiago Dória Weblog » Blog Archive » Facebook em crise de identidade. Tweet(function() { var po = document.createElement('script'); po.type = 'text/javascript'; […]

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  2. Essas mudanças de focos e posição se deve ao fato de estar trabalhando com uma um mantra sobre a maioria do mercado consumidor: A dita ‘geração Y’ que dizem que são pessoas que precisam estar constantemente mudando ou alterando a ordem das coisas sem precisar conhecer ou compreender um assunto ou produto. Ou até talvez essa interpretação precise ser mudada e ir contra-maré? Será que hoje fazer o caminho contrário pode também ser o mais do mesmo, voltar ao básico? É uma questão de muitas opiniões em torno de um produto gigantesco e tanto empresas quanto consumidores podem se perder neste processo.

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  3. Tiago, para mim o Facebook não passa por uma crise de identidade. Muito longe disso, ele tem em mente e trabalha para ser o que sempre quis ser: a engrenagem social da Internet.

    Note que, em momento algum, o Facebook toma para si a responsabilidade de ser o provedor de músicas, vídeos ou notícias. O site firmou parcerias com os players mais fortes de cada uma dessas áreas. O Facebook entra, com sua plataforma, com o Open Graph, como o componente social, o que conecta os usuários desses serviços uns aos outros e, de quebra, dá aos provedores de conteúdo relatórios suculentos de comportamento. Não muda o que o Facebook sempre foi; pelo contrário, é um passo gigante para frente.

    E quanto à rejeição das mudanças no layout, isso é normal, sempre acontece quando o visual muda. Em menos de uma semana as pessoas irão se acostumar e a vida segue.

    []’s!

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    1. @Rodrigo Ghedin

      Acredito que essa visão do Facebook de ser o “layer social da web” é tão abstrata quanto falar que quer ser a “maior empresa de informação do mundo”. Mesmo assim, para operacionalizar essa visão, é necessário entrar em diversos segmentos, ser várias coisas ao mesmo tempo. O que é um desafio e tem seu risco – trabalhar em um único produto várias experiências, processos e expectativas diferentes.

      abs

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  4. Quando uso em um só lugar todo tipo de conteúdo e media, minha internet se torna monocromática. Isso é nada interessante.

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  5. Não gostei das soluções de interface que eles adotaram, não me impressionei com a Timeline, mas não identifico crise de identidade nenhuma no Facebook. A expansão do Open Graph é um passo adiante e coerente com a proposta da rede: ser o hub social de todas as atividades na internet. É ousado e não será essa primeira encarnação que resolverá bem esse propósito.
    Crise de identidade eu vejo mais no Google+, com apêndices como o Sparks e a reciclagem das funções colaborativas do Google Wave no Hangouts. Já estão fora de rota!
    Essa última F8 foi um tapa na cara de quem achava que o FB não estava andando pra frente e apenas reagindo ao Google. Eles mostraram que estão lá na frente e já amarraram os grandes players de midia e conteúdo com eles.
    Se eles vão resolver bem essa grandiosa proposta ou não é outra coisa.
    Abs

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  6. em marketing dos produtos fisicos tem o conceito de extensão de linha( a VW quer fazer carros de luxo, a Mercedes quer fazer carros utilitarios …) em contraposição ao conceito de foco, de identidade em 1 segmento…vamos ver o resultado…o N.1 pode, mas….

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  7. Gostei do artigo, mas acredito que são empresas que precisam se reinventar…que nasceram aprendendo a rapidamente se remodelar… Não acredito numa crise de identidade…mas numa natural adaptação para o mercado… acho que o Facebook sabe muito bem aonde quer ir e por onde ir… A decisão clara de trabalhar junto a Microsoft ao invés do Google mostrou isso. A comparação com o Twitter é bem injusta porque primeiramente a crise do Twitter foi pela falta de receita… Que era limitada a captação de recursos financeiros…. No caso do Facebook esse problema não existe claramente.

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  8. +1 ao comentário do Rodrigo Ghedin.

    @Tiago,

    Como você pretendia mesmo associar o feedback de uma semana atrás dos usuários (http://www.facebook.com/help/community/question/?id=1498250 – que, a propósito, é relacionada à mudança ao “Top stories”) ao lançamento de uma grande mudança que foi feita ontem?

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    1. @Evandro Myller

      Eu não fiz links para todas as reclamações espalhadas pela web. Seria quase impossível
      http://blog.facebook.com/blog.php?post=10150289612087131

      Além disso, o post não é relacionado somente ao que foi lançado na quinta-feira.

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  9. Eu realmente não sei como isso pode ser abstrato. A mim parece muito concreto: tem interação social? Adequa-se ao que está previsto no Open/Social Graph? O Facebook quer estar lá.

    Ele não quer tomar o lugar do Spotify, do Netflix ou do Yahoo! News, ele quer explorar as relações sociais que esses aplicativos geram e tirar delas informações dos usuários para melhorar ainda mais seus algoritmos. É uma simbiose; não é parceria, muito menos competição. Aliás, não tem absolutamente nada de competição. Os CEOs de Spotify e Netflix não iriam a um evento do Facebook falar maravilhas do suposto “rival”, né?

    MySpace caiu porque quis ser tudo sozinho. O Facebook prospera porque permite que os outros sejam o que querem ser e potencializa isso através do Open Graph. É uma relação ganho-ganho entre todos os envolvidos.

    []’s!

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    1. @Rodrigo Ghedin

      A meu ver, ser nos próximos anos a “principal camada social da web” ou a “engrenagem social da web” é a visão do Facebook como empresa. Ou seja, a partir dessa visão, eles montam a estratégia e a operação. Visão de uma empresa sempre é algo abstrato e que inspira todos. É abstrato neste sentido. Se você reparar, nas entrelinhas, no texto eu não estou comentando sobre a validade dessa visão, mas sim sobre a estratégia e operação. Enfim, conceitos da área de gestão de negócios. http://www.merkatus.com.br/10_boletim/77.htm

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  10. […] o que todas essas mudanças, inovações e integrações representam para o negócio do Facebook? O post do Tiago Dória é uma aula. E se você quer fazer uma gambi pra conseguir o novo perfil mais cedo, essas dicas […]

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  11. O maior problema dessas mudanças não foi a mudança em si, mas a execução da mudança. Mudou MUITO e complicou o que já era complicado. Poderiam fazer mudanças de interface gradativamente, aos poucos, para que os usuários pudessem assimilar todas as mudanças. Isso favoreceria tantos os leigos de tecnologia como os experts.

    Torço para que o Facebook não perca a sua identidade e não vá pelo buraco assim como o MySpace foi.

    A evolução vem para facilitar, não para complicar.

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  12. […] de uso em uma única interface e plataforma é um caminho difícil, arriscado e trabalhoso. Vide os problemas que o Facebook está passando com a experiência de uso da rede e o trabalho que a Google está tendo para acertar o ponto da sua […]

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