A internet é resultado de uma revolução? Parece que não. Por trás de uma mudança aparentemente radical, sempre existe uma evolução tecnológica gradual.
Se analisarmos com calma, veremos que, na realidade, a internet é resultado de uma evolução gradual e não de uma revolução tecnológica. Seu desenvolvimento derivou do estado de conhecimentos anteriores. Revolucionário e radical mesmo foi o processo de retirá-la de seu campo de aplicação inicial. Se ela tivesse ficado no ambiente acadêmico e militar, os seus efeitos, as suas características e perceptibilidade seriam bem diferentes.
Isso aconteceu por que, do mesmo modo que outras tecnologias, a internet não está inerente aos efeitos do processo de “especiação de tecnologia”. Semelhante ao desenvolvimento biológico – em que uma espécie sofre um rápido crescimento e desenvolve novas características no momento em que é transplantada para um novo ambiente -, uma tecnologia quando retirada de seu domínio inicial de aplicação e colocada em outro, pode adquirir novas características, e até impensadas.
Nos anos 90, quando a internet foi removida de seu campo inicial, acadêmico e militar, e passou para a esfera civil e comercial, o impacto na economia foi grande. A internet adquiriu um caráter diferente e radical.
O inglês Tim Berners-Lee deu o pontapé inicial para esse movimento, ao lançar a web em 1990. Depois, Marc Andreesen seguiu o mesmo caminho e, em 1994, lançou o Netscape, um dos primeiros navegadores para a internet. Navegar pela rede se tornou agradável.
Faltava a visão comercial. Jeff Bezos apareceu em cena e sedimentou tudo, ao fundar, no mesmo ano, o primeiro grande site de comércio eletrônico – a Amazon.
Ainda que cambaleando, agora sim a internet estava num novo campo de aplicação – o mercado de consumo de massa.
O inicio não foi fácil. Berners-Lee, Andreesen e Bezos tiveram que enfrentar ceticismo e desconfiança em suas áreas de atuação. Parte da área acadêmica, por exemplo, acreditava que a internet iria acabar no momento em que se tornasse “comercial”.
Semelhante a diversos pioneiros, Bezos juntou um pouco de teimosia e internalizou uma visão que o ajudou a seguir em frente. Para você dar certo no digital, você tem que oferecer algo que é impossível de ser feito no off-line.
Na Amazon, cada vez que você entra, a loja oferece um portfolio personalizado. Qual loja física oferece isso para você – uma prateleira customizada a cada vez que você entra?
Esse conceito foi absorvido de tal forma pela Amazon que foi aplicado em outros produtos. No Kindle, leitor de ebook, você pode fazer buscas internas nos livros. Algum livro de papel permite fazer isso?
Em suma, o digital deve fazer coisas que o analógico não consegue, caso contrário não existe razão de ele existir, segundo Bezos.
Parte dessa visão e outros conceitos do fundador da Amazon estão condensados na biografia, One Click: Jeff Bezos and the Rise of Amazon.com (Portfolio Hardcover Editora/ 224 páginas).
Inédita no Brasil, a biografia é escrita por Richard L. Brandt, mesmo autor de The Google Guys, um dos melhores relatos sobre a história dos fundadores da Google.
Bezos (foto acima) e os fundadores da empresa de busca fazem parte da mesma geração de executivos que emergiram durante o burburinho tecnológico dos anos 80 e 90.
Brandt toma emprestado do antropologista Michael Maccoby o rótulo “narcisistas produtivos” para melhor descrevê-los. São executivos produtivos. Não têm visão e habilidades segmentadas. Na verdade, têm uma visão do todo do negócio. Da mesma forma que os fundadores da Google, Bezos não era um exímio programador, mas sabia muito bem quando aplicar ou não uma tecnologia e tirar valor dela.
São rockstarts, não no sentido festeiro, mas sim de que são contagiantes e capazes de incentivar uma grande massa de pessoas – funcionários e consumidores. Misturam ego, narcisismo e excentricidades.
Na Amazon, as excentricidades estão presentes desde o processo de automação até o de seleção de equipes.
Todos deveriam seguir a regra “two pizzas team” de Bezos – toda equipe deveria ser suficientemente pequena, para que os seus integrantes pudessem dividir duas pizzas. O fundador da Amazon era tão obcecado pela ideia de fazer muito com pouco, que, por alguns anos, as mesas do escritório da Amazon eram, na verdade, portas reutilizadas de madeira.
Igual a Steve Jobs, cofundador da Apple, Bezos acredita na simplicidade e no minimalismo. Para Bezos, uma página em branco apenas com o “próximo livro que você gostaria de comprar” seria a interface ideal da Amazon.
Ter o hábito de não dar ouvidos ao mercado e ao barulho produzido por supostos especialistas é outra coisa que o aproxima do falecido cofundador da Apple. Quando a Amazon lançou o sistema de reviews, no qual os usuários podem publicar resenhas, sejam elas negativas ou positivas, sobre os livros vendidos, especialistas falaram que era um erro. Imagina uma resenha negativa aparecer ao lado de um produto que você quer vender?
Para Bezos, um site de comércio eletrônico não deve vender coisas para as pessoas, mas sim, primariamente, ajudá-las a tomar decisões. As resenhas ajudam as pessoas a tomar decisões e hoje são justamente o principal atrativo da Amazon.
Todavia, as semelhanças com Jobs param por aí. Segundo Bezos, as tecnologias deveriam ser mais acessíveis não somente na usabilidade, mas também no preço. Tecnologia para o mercado de massa.
Diferente da Apple, a Amazon utiliza a estratégia dos baixos preços para conquistar e manter mercado. Ou seja, compete no custo.
O Kindle Fire, que tenta oferecer a menor preço quase tudo o que um iPad tem, é a aplicação dessa estratégia no mercado de tablets.
Essa preocupação em ofertar sempre o menor preço é tanta que a Amazon prefere subsidiar um produto do que vendê-lo a um preço mais alto que o do concorrente. Para manter os preços atrativos, por muitos anos, Bezos tirou dinheiro do próprio bolso para sustentar a Amazon. No inicio, os livros tinham descontos de 10 a 30%.
Essa política dos baixos preços pode ter efeito positivo a curto prazo para quem gosta de livros. A longo prazo, os efeitos podem ser devastadores, segundo Brandt. Os constantes descontos exigidos pela Amazon a seus fornecedores fazem com que as editoras lucrem menos, incentivando-as indiretamente a investir somente em autores conhecidos, cujos livros proporcionem retornos certos de vendas.
Além disso, a política de baixos preços da Amazon se apoia numa decisão de 1992, da Suprema Corte Americana, que ordena que empresas de vendas online somente devem pagar impostos sobre as vendas feitas em Estados onde a empresa tenha uma loja física. Como a Amazon não têm nenhuma loja de cimento, sai no lucro com a lei.
Contudo, diversos Estados estão conseguindo reverter a situação, o que promete ser um problema futuro para as contas da Amazon.
One Click: Jeff Bezos and the Rise of Amazon.com não tem a profundidade de Steve Jobs, de Walter Isaacson, e nem a prolixidade de Walt Disney – O triunfo da imaginação americana, de Neal Gabler.
O autor Richard L. Brandt mantém a dinâmica de obras anteriores – são menos uma biografia e mais um livro de negócios para quem não gosta de negócios. Termos próprios da área passam bem longe de One Click. A análise é muito mais mercadológica do que psicológica do biografado.
A partir da leitura do livro de Brandt, dá para unificar a filosofia de Bezos e a sua Amazon em 5 regras:
1) O digital deve fazer coisas que analógico não consegue, caso contrário não há razão para a sua existência.
No Kindle, você pode fazer buscas internas nos livros.
2) Nunca ver a sua empresa como um produto acabado.
A Amazon começou como um site de venda de livros. Hoje fornece até serviços de cloud computing e de back-end para startups.
3) Pensar a longo prazo
A Amazon demorou muito para se tornar rentável. O Kindle levou 3 anos para ser desenvolvido. Se Bezos pensasse a curto prazo, nada teria ido a frente.
4) Focar nos usuários (eles são seus principais clientes)
Sem usuários, você não tem compradores. Sem compradores, você não tem poder de barganha para negociar com fornecedores.
5) Confiança é o valor mais importante no online
Num meio ainda novo, confuso, no qual surge um especialista em cada esquina, gerar confiança é o melhor a fazer. As pessoas começaram a comprar na Amazon porque sabiam que os seus dados bancários não seriam desviados.

Natural de Novo México, nos EUA, e neto de um cientista militar que trabalhou na DARPA – a agência americana de pesquisa onde nasceu a internet -, Bezos foi empreendedor por opção.
Quando estudou numa escola do sistema Montessori, destacou-se por ser persistente em uma atividade. Ainda adolescente, aprendeu sobre “automação numa cadeia de produtos” quando trabalhou numa cozinha do McDonalds. E conheceu melhor o seu gosto pela tecnologia quando esteve em Princeton, onde cursou Ciências da computação e Engenharia.
Um pouco antes de Princeton, no final do período escolar, deu os seus primeiros passos no empreendedorismo. Como uma colega de classe, que depois se tornaria a sua namorada, criou uma escola sobre ciência e história.
Os livros? Sempre fizeram parte da vida de Bezos. Ainda criança, na escola, participou de um concurso que premiava quem lia mais livros em um ano. Já na idade adulta, um ano antes de fundar a Amazon, casou-se com uma aspirante escritora.
Por isso, percebe-se que, ao fundar a Amazon, Bezos tornou-se um exemplo do quanto a internet é capaz de acentuar o que você já é.
Como diria Esther Dyson, analista de tecnologia do Wall Street Journal e ex-presidente do conselho da ICANN, a internet é como o álcool. Ela, de certa forma, acentua o que você já faz e é. Se você é um solitário, ficará mais sozinho. Se você é gregário, a internet ajudará você a se conectar com mais pessoas.
No caso, a internet acentuou mais ainda o que Bezos já era – um empreendedor que, no final das contas, ajudou a tirar a rede do exclusivo ambiente acadêmico e militar, abrindo caminho para a revolução que estamos vivendo.
Veja também: O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes
Crédito das fotos: Noelas (1), divulgação (2,3, 5 e 6), EcosPC (4), Sabino (7) Edge (8)







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