Em 2009, "O culto do amador" não fede nem cheira

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Andrew Keen (foto) é um escritor que, em 2007, lançou um livro chamado “O culto do amador“, no qual fazia duras críticas a toda cultura e mitificação criada em torno de sites como YouTube, MySpace, blogs e Wikipedia. Na época, foi chamado de anticristo, “traidor do movimento”, dinossauro.

Acho que teve blogueiro e porta-bandeira das mídias sociais que até queimou a foto e os livros de Keen em praça pública. O caso deixou evidente o quanto alguns gurus das novas mídias agem iguais aos da antiga – não querem ou não sabem ouvir críticas.

Com a polêmica, o livro foi traduzido para 12 idiomas. A versão em português (207 páginas) chegou neste mês ao Brasil pela editora Zahar. Mas chegou datado.

Para começar, é preciso deixar algo claro. Keen não é qualquer um. Tentaram desqualificá-lo na época do lançamento do livro alegando que o escritor era um paraquedista em questões envolvendo a internet. Keen foi investidor e empreendendor no Vale do Silício, antes da bolha, em 2001 (lançou o site Audiocafe, de distribuição de música).

Fora isso, era arroz de festa em Foocamps, Barcamps e outros eventos do tipo. Ou seja, é uma crítica vinda de dentro da “web mais colaborativa”.

O livro chega datado em 2009 por que as críticas de Keen soam óbvias atualmente, ou seja, já não são novidade. Segundo Keen, sites como MySpace são um terreno para a prática de diversos crimes, inclusive pedofilia. Conteúdo gerado pelo usuário por si só não é atestado de qualidade. Existe uma confiança excessiva na participação do usuário, como se ela fosse o ‘santo graal’ de alguma coisa.

Uma boa parte dos vídeos do YouTube são lixo, coisa que interessa apenas a quem fez. Os blogs estão ajudando a criar novos poderes – de 3 a 4 colunistas de revistas de tecnologia para 5 ou 6 blogs de tecnologia que definem o que é hype e legal na internet.

É um tipo de pensamento que, em 2007, tinha impacto, quando as críticas ao modus operandi da web ainda eram muito escassas.

Em meados de 2007, auge da chamada Web 2.0, seu livro soou como um alerta, uma reação, numa época em que se apontava e glorificava apenas o lado positivo da internet e o discurso tecnopopulista de que qualquer um com um computador poderia se tornar qualquer coisa estava em alta.

Acredito que seja por causa disso que na forma de se expressar no livro Keen é seco, direto e monótono. Repete a mesma idéia várias vezes nos primeiros capítulos, o que o torna cansativo. Parece um panfleto, é nervoso em alguns momentos. É mais reação que qualquer outra coisa.

Ele quer a todo custo que apoiemos as suas idéias e estejamos ao seu lado. Neste sentido, lembra um pouco o trabalho do cineasta Michael Moore.

Por isso que se você quiser críticas mais embasadas e profundas em relação à internet e à “revolução digital”, apesar da fama, “O culto do amador” com certeza não é o livro mais indicado.

Howard Rheingold, que é contra a atual crença exagerada em torno do poder das redes sociais, Michael L. Dertouzos, do MIT, já falecido, mas que fez críticas ainda atuais, e Nicholas Carr, por exemplo, fazem (ou fizeram) um trabalho bem melhor.

Keen se perde totalmente nos capítulos 4 e 5, nos quais aborda as transformações nas indústrias fonográfica e de cinema. Segundo ele, a hora em que as pessoas puderem baixar mais filmes pela internet não irão mais ao cinema.

Ir ao cinema e assistir a um filme num computador ou na televisão são experiências diferentes. Por isso que está acontecendo algo contrário ao que Keen prevê.  As pessoas estão indo mais ao cinema.

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O escritor evolui melhor as suas idéias no capítulo final “Soluções”, quando diz que a dinâmica dos sites deve caminhar para o meio termo, nem muita ou pouca abertura. E o que estamos vendo é isso. A Wikipedia, por exemplo, aumentando a moderação, se fechando mais, e a enciclopédia Britannica se abrindo mais, permitindo a edição de alguns verbetes. Antes rivais, Wikipedia e Britannica caminham rumo ao meio termo.

Pelo que percebi o autor se dá melhor em entrevistas e em sua coluna diária de mídia no jornal The Independent. Mesmo com as observações feitas neste post, Keen consegue fazer um trabalho de pesquisa melhor que muito de seus críticos.

A quantidade de pesquisas e referências citadas no livro chama a atenção, algo raro em livros voltados para um público não-acadêmico, o que rendeu elogios até de Larry Sanger, co-fundador da Wikipedia, e de Michiko Kakutani, crítica de livros do NYTimes.

Mas sabe aquele livro que não causa nenhuma reação em você? Que não faz nenhuma diferença você ter lido ou não? Não sei quanto a você, mas foi essa a sensação que tive após ler o “O Culto do Amador” . Talvez por que tenha passado quase dois anos do lançamento do livro original (em inglês).

Em 2009, a obra vale mais pelo seu valor histórico e como consulta já que são citadas diversas pesquisas.

Veja também:
Como eles tiraram leite de pedra

21 respostas para “Em 2009, "O culto do amador" não fede nem cheira”.

  1. “Repete a mesma idéia várias vezes nos primeiros capítulos, o que o torna cansativo. Parece um panfleto, é nervoso em alguns momentos.”

    Bom Tiago, fica aqui um conselho de um leitor assíduo: ou tu abandona o uso da expressão “web 2.0” ou então para de ficar avisando a cada post que o termo está em extinção.

    No mais, excelente blog. Um abraço!

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    1. @Paul

      Obrigado pelo puxão de orelha.
      Retirei o aviso.

      abs

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  2. Mesma sensação: livro datado.

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    1. @Luisa

      Acho que é um livro que fez sentido na época, mais como contraponto e reação.

      abs

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  3. Ótima resenha,

    Uma dica. A apresentação do autor no Authors@Google

    []`s

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    1. @Bruno

      Obrigado pela dica!

      abs

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  4. O livro de Andrew Keen é um alerta para a falta de critério de muitas coisas que são veiculadas pela internet – qualquer um idiota sem o menor conhecimento das técnicas de pesquisas publicam matérias rasteiras sobre assuntos que não dominam – são veiculados videos montados ou invadindo a privacidade alheia, em fim virou uma casa da mãe joana sem menor credibilidade e ainda tem individuo que se esconde para atacar e difamar qualquer um que seja contrario às suas ideologias políticas, religiosas ou tudo mais que ele julga ser verdade absoluta.

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  5. valeu pela dica!
    abraços!

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  6. Qualquer crítica que ajude a construir um ponto de equilíbrio no uso de uma ferramenta universal e democrática, mas que tem sido objeto de usos indevidos e altamente nocivos à sociedade é uma grande contribuição. Na dinâmica da vida e dos acontecimentos, se uma obra alcançar o seu foco, mesmo por um período pequeno, pode-se atestá-la como vitoriosa em seu propósito. Obrigado pela boa análise.

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  7. Avatar de Handal balder
    Handal balder

    Por mais óbvio e ululante que sejam as críticas de Andrew Kenn, e são, por mais lugar comum que seja, a Internet é a representação virtual do nosso “mondo cane” ou seja com todo seus prós e contras, seus pequenos e grandes delitos, gente boa gente má, bons e maus pensamentos e toda essa conversa de que o mundo não é preto e branco, têm nuances gris, bom há que se ter discernimento para não se crer em tudo que se ler ou ver, pôxa, sabemos que a maioria dos viventes não quer saber e,ou não se importa com o mundo em volta desde que não abale seu quotidiano, bons por apatia ou burrice devoram todas as informações que lhes apresentam sem ao menos parar par questionar a veracidade ou não. quanto ao livro é oportunista? é sim mas quem hoje em dia não é,. bem escritinho, engajado ou não, vendido ou não com interesses escusos ou não nos faz pensar no assunto que já é bom.

    P.S “Pô, mas Culto do Amador, ao invés de Culto ao amador. aí é f%%¨&%#….

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  8. O que me preocupa é que o livro do Keen serve menos para pensar, mais para alimentar um lado da trincheira que luta desesperadamente para manter seu velho negócio, ameaçado por “amadores”. De que adianta constatar o óbvio, que o Youtube é repleto de lixo? 80% do que a indústria cinematográfica americana produz também é puro detrito, e pior que feito industrialmente, com capital e plano de negócios. Mas, foco principalmente no estrebuchar da velha mídia corporativa, hoje ameaçada, segundo a própria, por “toscos” blogs, jornalistas “de fundo de quintal”. Acredito ser onde os amadores fazem seu maior estrago. Há falta de qualidade? Também. Mas que não venha a mídia defender-se por deter o patrimônio do “bom jornalismo”, há muito ele se foi. Jornais perderam qualidade e descambaram para o puro partidarismo quando se transformaram em cartel, nas mãos de um único setor. Dos amadores não espere que façam o mais técnico jornalismo, apenas que denunciem as distorções aos fatos impressos no papel, que dêem outra interpretação à notícia. Não é briga pela qualidade, é pura luta ideológica, e os “toscos” amadores estão ganhando.

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  9. […] Tiago Dória Weblog » Em 2009, “O culto do amador” não fede nem cheira […]

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  10. Obrigado pela resenha.

    Acontece que como você mesmo cita o livro tem como alvo “um público não-acadêmico”. Acho muito importante a obra, apesar do intersticio danoso, até pela discussão e reflexão que causa o tema.

    Agora comentários em blogs falando mal do cinema americano e da quantidade de lixo na internet, youtube, comunidades virtuais e comentários sobre precinceito, exclusão, etc… Isso sim é de culto ao amador e mais do mesmo.

    Por fim, gostaria de saber de onde você tirou a informação de que mais pessoas vão ao cinema?

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    1. @Adriano

      Eu não tenho o link, mas tem estudo que indica que aumentou a quantidade de pessoas que vão ao cinema, no Brasil, por exemplo.
      Fecho se consigo a pesquisa e posto aqui.

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  11. […] ‘recomendada’: ‘Em 2009, O Culto ao Amador não fede nem cheira’. Tags: blog, bruno lima rocha, culto ao amador, […]

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  12. Trilha Sonora para o Culto do Amador…

    Em 2007 Andrew Keen lançou um livro intitulado: O culto do Amador… basicamente faz(ia) uma crítica ao superficialismo da “geraçäo google”.

    Uma ótima resenha sobre o livro pode ser lida aqui, no blogue do Tiago Dória.

    Mas qual seria a melhor …

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  13. […] escritores que têm uma visão menos romântica em relação à internet, do qual já fazem parte  Andrew Keen, Nicholas Carr e Lee Siegel, que, no ano passado, lançou Against the Machine, livro em que faz um […]

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  14. […] do livro de Dearlove é que ele chega meio desatualizado ao público brasileiro, mesmo problema do livro de Andrew Keen. Para se ter uma noção, a primeira edição do livro foi publicada em 1999, com uma consequente […]

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  15. […] do livro de Dearlove é que ele chega meio desatualizado ao público brasileiro, mesmo problema do livro de Andrew Keen. Para se ter uma noção, a primeira edição foi publicada em 1999, com uma consequente reedição […]

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  16. Avatar de Miguel Catalão
    Miguel Catalão

    Aqui a Portugal chegou bem mais cedo, e quando eu li não era datado em relação ao Facebook e outras redes sociais… (muito embora a blogosfera já estivesse bem desenvolvida na altura).

    Para mim o livro foi estranho. Em alguns temas causou-me repulsa, pois o Andrew Keen, mostra-se alguem muito snob, fazendo juísos de moral, e catalogando coisas que nao conhece. Para dar uma opinião acerca do livro eu teria de dar capítulo a capítulo, tão díspares foram as minhas opiniões em função do assunto em que ele tocava.

    Por outro lado, em termos de conhecimentos tecnicos ele é muito bom e toca em quase todos os assuntos…

    O Tema da pedofilia na internet, e nas redes sociais, está bem posto e é um alerta importante que nunca deve ser esquecido (nota alta por este capítulo).

    Mas “O Culto do amador” não é mais que um Livro de “opiniões”, em nada vanguardista, ou futurista, ou definidor de tendencias ou realidades.

    Também achei que meteu os pés pelas mãos no que tocava às artes.

    Abraços de Portugal!

    MC

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  17. […] casa, fique dando palpite. Se Wright tiver sucesso vai abrir ainda mais o campo de discussão sobre o culto do amador. Andrew Keen vai […]

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