
Esse texto foi publicado originalmente, em inglês, em 20 de março de 2013
Na última semana, tive a oportunidade de almoçar com o diretor/editor do Boston Globe Brian McGrory. O evento fez parte do Civic Media Lunch, almoço semanal que o MIT promove com pessoas relevantes na área de mídia.
Gosto de participar desse evento não somente pelo seu caráter informal (poucas pessoas, sala menor, dá tempo de cada um se apresentar), mas também porque sempre é uma oportunidade de se encontrar com alunos de outras escolas e laboratórios do MIT. No final, acontece uma mistura bem bacana – alunos, pesquisadores e professores da área de engenharia conversando com outros da área de mídia, antropologia e negócios junto a pessoas do mercado.
McGrory veio conversar com a gente sobre os desafios pelos quais o jornal vem passando na área digital. Foi uma troca. Ele veio também conhecer novos processos e algumas das tecnologias sociais que o MIT vem desenvolvendo.
A propósito, esse tipo de conversa é cada vez mais comum no mercado americano. É bem comum profissionais do NYTimes, Huffington Post, CNN virem até aqui conversar com a gente. Faz parte do processo que já comentei – de as empresas de jornalismo buscarem inteligência no ambiente externo.
Vou resumir um pouco o que a gente conversou:

Uma coisa que chamou a minha atenção no bate-papo foi a palavra relevância. McGrory a citou diversas vezes.
Isto é, a discussão por aqui não é mais sobre dinheiro (O Boston Globe tem o caixa positivo, segundo McGrory), mas sobre como manter-se relevante para os leitores em um mercado cada vez mais hipercompetitivo de mídia.
Para entender essa preocupação, é preciso lembrar que, no mercado americano, os sites de jornais sofrem uma concorrência direta e diária de blogs e publicações que nasceram no digital. Uma concorrência com empresas que têm o digital como negócio principal (core business).
No entender do editor do Boston Globe, essa concorrência pode ser enfrentada por meio de uma postura de cooperação e não de competição
Para ele, as parcerias com blogs, sites de nicho e universitários são essenciais para o futuro do jornal. Por meio dessas parcerias, você pode cobrir melhor e mais áreas que não seria possível sozinho.
Outra questão importante para manter a influência é o Boston Globe reforçar a sua postura fiscalizadora, principalmente no momento atual pelo qual Boston vem passando. A cidade está vivendo um período incomum de crescimento econômico, impulsionado pelo desenvolvimento das áreas de biotecnologia, saúde e educação universitária. Esse crescimento vem acompanhado de uma nova cultura, que precisa ser registrada e analisada, além de uma série de empreendimentos imobiliários que precisam ser fiscalizados de forma ainda mais atenta pelo jornal.
A área de biotecnologia, por exemplo, é uma que McGrory acredita que a publicação deve cobrir muito bem para manter-se relevante aos leitores.
Para o executivo, a tecnologia pode ser uma aliada no engajamento de mais leitores, mas, independentemente da plataforma, nada mais engaja o leitor do que o “bom jornalismo” (investigativo, analítico, comprometido com valores democráticos).
Um exemplo desse jornalismo citado por McGrory é o documentário 68 Blocks. Durante quase um ano repórteres do jornal alugaram um apartamento e moraram em Bowdoin-Geneva, considerada uma das regiões mais violentas da Nova Inglaterra.

Sobre negócios, o editor do Boston Globe lembrou que o digital extinguiu as tradicionais fontes de renda dos jornais (os classificados chegaram a gerar uma receita de 160 a 180 milhões de dólares por ano para o Boston Globe).
Entretanto, ao mesmo tempo, o digital ajudou os jornais estabelecidos a ganharem mais relevância e leitores. Antes os jornais eram limitados a uma única plataforma (papel impresso). Hoje podem estar em várias delas ao mesmo tempo – celular, laptops, tablets – permanecendo, desse modo, mais tempo ao lado do leitor.
Atualmente, a redação do jornal conta com 360 profissionais entre jornalistas, designers, cientistas de dados e desenvolvedores (no Boston Globe, desenvolvedor é considerado integrante da redação).
McGrory reconhece que, atualmente, as publicações devem ter diversas fontes de renda. Entretanto, ele se mostrou receoso com o conceito, cada vez mais comum no mercado americano, de o jornal expandir a sua “expertise” para outras áreas (realização de eventos, cursos/educação, endosso de produtos). O editor ainda não visualizou uma área para onde o Boston Globe possa se expandir (desafio para nós, da área de negócios e inovação, ajudá-lo a pensar nisso).
Durante o bate-papo, ficou evidente que o jornal está tentando monetizar as três partes do negócio – conteúdo, experiência e plataforma (existe um projeto de anúncios nos caminhões de entrega da versão impressa da publicação).
Para resumir, a conversa com o editor do Boston Globe foi interessante, mas McGrory ainda tem aquela visão um tanto quanto tímida – e que já levou muito negócio a quebrar – de achar que o problema atual das empresas de jornalismo é simplesmente sobre conteúdo ou tecnologia.
Os desafios, pelo qual o Boston Globe está passando, são um exemplo justamente contrário – de que o problema das empresas de jornalismo não é necessariamente sobre conteúdo ou tecnologia- mas sim sobre processos, que pedem para ser atualizados, questionados e inovados constantemente.
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