Tecnologia se tornará imprevisível

A escalabilidade é por si só uma das mais importantes inovações na área de tecnologia. O conceito permeia quase tudo que, hoje em dia, consumimos em termos de tecnologia digital – plataformas de rede sociais, celulares, games. Entretanto, é algo que está com os dias contatos e os efeitos prometem ser disruptivos: a tecnologia se tornará imprevisível, as vantagens competitivas das empresas de tecnologias terão que mudar junto com a formação dos tecnólogos, que necessitará ser cada vez mais interdisciplinar.

A base dessa visão está na constatação de que a chamada Lei de Moore, um dos princípios da escalabilidade e na qual a indústria de tecnologia tem se pautado nas últimas décadas, ficará obsoleta daqui a 7 anos, em 2020.

Segundo a teoria, o número de componentes nos chips dobra a cada 18 meses. Em outras palavras, a cada ano e meio, produtos com chips tendem a ficar cada vez mais baratos e melhores.

Nos últimos três meses, aqui, em Boston, tivemos uma série de palestras e workshops com especialistas no assunto. O debate não é novo, mas ele ganhou força com os recentes avanços na área de “wearable technologies“, como o desenvolvimento do Google Glass, e a aplicação em larga escala de nanotecnologia na área médica.

Tanto as “wearable technologies” quanto a nanotecnologia na área médica exigem um processo diferente de miniaturização e um ganho de processamento computacional que não são mais atendidos de forma satisfatória pela Lei de Moore.

Segundo Dennis Buss, um dos principais especialistas em indústria eletrônica (é da turma de 1963 do MIT) e vice presidente de tecnologia da Texas Instruments, a escalabilidade dos semicondutores (CMOS), base da Lei de Moore, trouxe benefícios enormes para a sociedade. Entretanto, tornou a tecnologia previsível demais. Todo mundo na indústria de tecnologia passou a trabalhar sabendo que a cada 18 meses tudo o que é baseado em chip tenderia a ficar mais barato e melhor.

Para Buss, um dos principais efeitos do fim da escalabilidade dos CMOS será justamente a mudança dessa lógica: a tecnologia passará a ser menos previsível e uniforme. E mais: a inovação estará bem mais voltada para as reais necessidades da sociedade (saúde, energia e segurança) do que em aumento de processamento/velocidade por si só.

Nas palavras do veterano do MIT, essa imprevisibilidade abrirá caminho para uma nova onda de inovação criativa semelhante a que aconteceu há mais de 30 anos quando a Lei de Moore foi concebida. Buss chama esse novo momento de “Accelerated Technology Innovation” (ATI).

Segundo ele, para que o alto desempenho associado ao baixo custo continue na indústria de processadores, mudanças também terão que acontecer na formação dos engenheiros, que precisarão ser bem mais interdisciplinares: entender como funcionam outros materiais e dominar princípios da biologia, fotônica e química polímera.

Do outro lado dos EUA, na Califórnia, na Universidade de Stanford, Robert Colwell, presidente da DARPA, agência americana de pesquisa e defesa onde nasceu a internet, também confirma que a Lei de Moore ruma para a derrocada. Entretanto, acredita que isso está acontecendo por motivos econômicos e não tanto físicos (seria impossível miniturizar ainda mais um bit, criando desse modo um choque da Lei de Moore com as leis físicas).

Para Colwell, a indústria de silício está cada vez mais cara e o retorno do dinheiro investido em alta performance e miniturização é cada vez menor. Em outras palavras, está cada vez mais difícil conseguir desempenho/performance dos CMOS proporcional ao dinheiro injetado em pesquisa para tal objetivo. Cada vez mais, os fabricantes têm dificuldade de continuar o crescimento vertiginoso no número de componentes nos chips.

Um dos novos processos que pode modificar esse cenário é o “More than Moore“, que se baseia no uso de novos materiais para o desenvolvimento da tecnologia dos semicondutores. Hidemi Takasu, presidente da ROHM, esteve recentemente no MIT apresentando a tecnologia. Nanoestruturas e Nanomateriais, mais finos que um fio de cabelo, são aplicados às atuais estruturas dos chips (CMOS). Robôs minúsculos que poderiam ser implantados em corpos humanos utilizariam essa tecnologia para evitar intervenções cirúrgicas em pessoas acometidas por alguma doença.

É interessante notar que, uma vez mais, o MIT e a Universidade de Stanford estão capitaneando essa revolução na indústria de eletrônica. Nos anos 60, professores das duas instituições foram pioneiros em publicar papers e criar uma comunidade para explicar e pesquisar como funcionavam os semicondutores.

Mas resumindo o que aconteceu nos últimos meses: ficou evidente nas recentes conversas que tivemos aqui que a escalabilidade de semicondutores com base na Lei de Moore não acabará. Na verdade, ela vem perdendo o “monopólio” da inovação tecnológica. A Lei de Moore por assim dizer está sendo complementada com outros processos, como o “More than Moore“. Novas materiais e designs estão encontrando a sua aplicação. Ainda não sabemos com precisão cirúrgica quais procedimentos permanecerão até 2020 nem que nome daremos para a fase atual da microeletrônica. Isso deixaremos para nossos filhos e netos rotularem.

A única certeza é que, assim como se dá com outros setores, a microeletrônica é uma indústria que está em profunda transição. E isso promete afetar várias coisas desde o joguinho que utilizamos no celular até o exame de ressonância feito no hospital.