Category: cultura digital

Programar não morde nem faz mal

Depois que me mudei para Boston, voltei a programar. A programar bastante, todos os dias.

Voltei a programar não apenas por uma questão profissional e de alfabetização digital, mas também para poder colocar conceitos em prática.

É muito gratificante pensar na modificação ou na criação de um produto e produzir um protótipo. Construir coisas. Seus argumentos se fortalecem e você tem uma visão mais estratégica de como as coisas funcionam. Tudo flui melhor.

Paralelamente, você se torna um consumidor mais crítico de tecnologia e para de somente “ler” as mídias sociais. A propósito, plataformas de redes sociais têm sido chamadas de “nova mídia de massa” não somente porque atingiram uma alta popularidade, mas, sobretudo, pelo fato de, em geral, as pessoas as utilizam de forma passiva. Quantos usuários do Facebook realmente entendem o funcionamento da rede e podem alterar/desenvolver uma nova funcionalidade para a plataforma?

É lógico que o fato de morar no 2º maior pólo de inovação do mundo também pesou na decisão de aperfeiçoar a habilidade de escrever códigos. A lógica computacional já se faz muito presente aqui na solução de problemas do dia a dia. Estudantes de medicina, negócios, gastronomia, quase todos têm que produzir alguma coisa em software e que ajude a alavancar o conhecimento em suas respectivas áreas.

A hora em que a tecnologia passa a mediar a produção de conhecimento, novas habilidades são necessárias, e saber produzir coisas por meio de código é uma delas.

Comunicação e lógica computacional, por exemplo, andam tão entrelaçadas que é quase impossível escapar desse binômio.

Quanto mais você aprende a programar, mais oportunidades aparecem para aprender. É como aprender a ler e escrever: ao desenvolver a habilidade de leitura e escrita, a possibilidade para conhecer outras coisas é aberta.

Além de abrir portas para novos conhecimentos, programação para mim tem um papel adicional. Na hora de debugar um código, tenho que me manter tão concentrado (qualquer vírgula errada e você muda o significado inteiro do código) que acabo por me esquecer de todos os problemas ou coisas que tenho que resolver no dia seguinte. Ou seja, além de fazer parte de meus estudos e trabalho, programar funciona como uma pausa, principalmente quando faço por diversão e sem compromisso.

É engraçado que até hoje as pessoas torcem o nariz sobre a ideia de aprender a programar. Programação ainda é associada a matemática pura e simples, enquanto que a mesma tem muito mais a ver com Lógica. Eu mesmo não sou um grande fã de matemática pura, mas gosto de Lógica, portanto programar não tem nada de tortuoso para mim.

Hoje aprender a programar é fácil e barato. Existem diversos cursos online com bons professores. Ademais, há linguagens simples de aprender, com uma semântica mais próxima da utilizada no cotidiano.

Não é à toa que programação já está no processo de alfabetização de crianças. Aqui, em Massachusetts, algumas escolas já fornecem cursos de programação. No MIT, idem. Por meio do projeto Scratch, o instituto ensina de graça a habilidade para crianças.

Não existe nada de precipitado em falar que programação é a nova alfabetização. Por outro lado, o terrorismo feito ao redor da ideia de programar é meio exagerado – “se você não aprender a programar não terá emprego, família, dinheiro, saúde…”.

Entretanto, dá um friozinho na barriga só de imaginar o que acontecerá quando chegar ao mercado de trabalho essa molecada de 8 a 10 anos que recebe aulas de programação já na escola. Será bem interessante, mas também acredito que aumentará ainda mais o “gap” entre os países que valorizam a educação e os que não lhe dão a merecida importância.

Se você ainda tem dúvida de que programação é a nova alfabetização, vale ver (ou rever) esse vídeo do Mitch Resnick, chefão acadêmico do MIT Media Lab, durante palestra no TEDxBeacon Street, realizado aqui, em Boston.

Sobre o fim do Orkut

Interessante a notícia de que o Google encerrará as operações do Orkut no final de setembro. A decisão diz muito sobre onde estamos.

O Orkut teve um papel importante na “inclusão digital” de diversas pessoas na Índia e no Brasil. Para muitos, a rede social foi a primeira porta de entrada para internet.

Era comum ouvir histórias de pessoas que “queriam comprar pela primeira vez um computador para poder acessar o Orkut” ou que resolveram frequentar as lanhouses porque “elas permitiam acessar o Orkut”.

A propósito, as lanhouses e o Orkut são um exemplo de como o mercado de internet encontra, por conta própria, soluções para os seus problemas.

Enquanto pseudoespecialistas em inclusão digital e governos discutiam porque 1+1=2, o Orkut e as lanhouses assumiram e seguiram em frente com o seu papel inesperado de realizar a inclusão digital de diversos brasileiros.

Hoje em dia, o WhatsApp vem realizando o mesmo movimento que o Orkut protagonizou há 5 anos. Em nações em desenvolvimento, o aplicativo de troca de mensagens vem servindo como “desculpa” para pessoas migrarem de um celular comum para um smartphone: “Quero comprar um smartphone para poder usar o WhatsApp”.

Desse modo, uma vez mais, vemos uma tecnologia alavancando o uso da outra. Para quem trabalha com consumo de tecnologia e mídia, é importante estar atento a essa dinâmica no mercado de internet.

Uma questão preocupante em relação ao fim do Orkut é sobre quem salvará a memória da rede social. Nas comunidades do Orkut, existe um farto material sobre o Brasil e a Índia: discussões políticas e morais, questões pessoais, reclamações contra empresas, sugestão de produtos. É um raro retrato produzido de baixo para cima sobre um momento específico das duas nações.

Está certo que o Google liberou o conteúdo das comunidades públicas para quem quiser baixar e salvar, mas alguma biblioteca deveria se responsabilizar por realizar um arquivamento mais estruturado desse conteúdo. Aqui, nos EUA, por exemplo, a Biblioteca do Congresso assumiu o papel de arquivar parte dos tweets mais importantes publicados entre 2006 e 2010. Ademais, no MIT, existem diversos projetos de arquivar e agregar conteúdo das redes sociais. Mas… e no Brasil?

A decisão de desligar o Orkut não foi nenhuma surpresa. Nos bastidores, já se falava dessa possibilidade. Na parte de produtos, o Google está passando por mudanças.

Foi um veredicto inteligente por parte da empresa de busca. Afinal de contas, nos últimos anos, as redes sociais migraram do desktop/web para ferramentas baseadas em dispositivos (WhatsApp, Vine, Snapchat). Hoje são esses serviços que dão as cartas no mercado de plataformas de redes sociais.

Hackathons não são somente para desenvolvedores

Em alguns blogs,  está acontecendo uma discussão bem interessante sobre a relevância dos hackathons. O debate é importante: hackathons são parte essencial das empresas com o DNA 100% digital.

De alguns anos para cá, as “maratonas de programação” viraram febre. Empresas, governos, universidades e até igrejas promovem os encontros nos quais desenvolvedores passam de 1 a 2 dias engendrando novos produtos ou resolvendo problemas de sistemas.

É justamente nessa popularidade crescente que reside uma das principais críticas aos hackathons, chamados também de Codefest ou Codejam. A reclamação é que esse tipo de evento se desvirtuou – tornou-se simplesmente uma muleta para empresas promoverem suas API’s ou para os departamentos de marketing colarem junto à imprensa o conceito de que seus clientes são “inovadores”.

Realmente, a crítica é válida. Com a popularização, vem, muitas vezes, a banalização. Há muito hackathon que é mais um evento de marketing do que de desenvolvimento: um meio para empresas criarem, de forma oportunista, uma imagem de inovação para acionistas e imprensa. Entretanto, é preciso separar o joio do trigo. Há muita coisa boa sendo feita.

Outra crítica, esta capitaneada pelo desenvolvedor veterano Dave Winer, é a de que os hackathons são um desserviço, pois tratam de forma superficial o desenvolvimento de software. Segundo Winer, em menos de 24 horas, você não consegue produzir nada decente. Um bom produto demanda tempo, tentativas com erros e acertos, e vários testes com os usuários.

Já participei de diversas formas de “maratonas de programação” no Brasil e nos EUA: como olheiro e palpiteiro, desenvolvedor (sim, voltei a programar todos os dias!), cobrindo para um veículo ou como gerente de produtos. E confesso a vocês, o principal problema dos hackathons é outro: ainda carregar a imagem de que são eventos somente para programadores.

A palavra hackathon ainda assusta gente leiga no assunto. A maioria associa o termo a um encontro tecnológico fechado, exclusivo para quem tem habilidades técnicas, enquanto que o espírito de curiosidade e aprendizado de um não-desenvolvedor pode ser de grande valia neste tipo de evento.

Não é à toa que as “maratonas de programação” que vão além da tecnologia, reunindo pessoas das áreas de negócios, conteúdo, medicina têm um nível diferente de troca de experiências. A confirmação dessa premissa vem da OpenGovFoundation, organização que promove a transparência digital de governos aqui, nos EUA, e organiza hackathons nos lugares mais diferenciados do país.

E, justamente, ao deixar um pouco de lado o aspecto puramente tecnológico, que podemos notar a importância dos hackathons: eles são, antes de tudo, uma poderosa ferramenta de educação. Durante um hackathon, você tem a rara oportunidade de vivenciar um dos melhores processos de aprendizagem: ser aluno e professor ao mesmo tempo (the protege effect). Você aprende e ensina neste tipo de evento.

E é associado a esse processo que vêm os outros aspectos conhecidos de um hackathon: servir como combustível para inovação e redes de contato – fazer coisas que normalmente você não faria e ganhar conhecimento fora da sua zona de conforto.

Enfim, apesar do caráter sempre competitivo de uma maratona, você nunca sai de mãos vazias de um hackathon. E isso se acentua quando conseguem se descolar da imagem de evento exclusivo para desenvolvedores.

Raio-X da inovação no NYTimes

Vazou um relatório interno de 96 páginas a respeito de como anda a estratégia do New York Times no ambiente digital. A análise do documento é importante para qualquer pessoa que trabalha com a publicação de conteúdo na web.

Não vou entrar no burburinho que existe por trás da distribuição do relatório e na disputa de poder que anda ocorrendo internamente no NYTimes (o relatório é assinado pela equipe de A.G. Sulzberger, filho do atual publisher da publicação), mas sim nas questões fatuais do material publicado em primeira mão pelo Buzzfeed.

Em linhas gerais, o relatório afirma que a presença digital do NYTimes é deficitária e pouco promissora. O material:

1) Reflete a baixa motivação da equipe digital
É nítido um certo desgaste da equipe digital do NYTimes. Volta e meia, o pessoal da equipe digital vem até ao MIT, e percebe-se um certo cansaço entre eles: projetos cancelados, burocracia, barreiras culturais.

Aliás, já faz um tempo que o NYTimes deixou de ser o único farol de inovação na área. Fora dos EUA, a presença digital do NYTimes é ainda uma referência, mas internamente startups de jornalismo e sites, como Vox, Medium, Circa e Buzzfeed, pautam bem mais as discussões sobre inovação na área de jornalismo.

É preciso também levar em conta que muito do que o NYTimes fazia de “inovador” há 3 anos já está virando “lugar comum” no mercado americano de notícias – base de dados aberta, lógica computacional, digital melhor que o impresso.

Não é à toa que o relatório pegou de surpresa o público fora dos EUA.

2) Queda do poder da home e do desktop
O documento toca num ponto importante, porém usual para quem acompanha os meus textos: cada vez menos a home do NYTimes é visitada, e cada vez mais os leitores chegam até o site por meio de plataformas de redes sociais.

Ponto positivo pelo relatório levantar essa tendência de consumo de informação, ainda que atrasada uns 3 anos.

Outro sinal positivo é o alerta sobre a “queda do poder do desktop”.

Depois da “queda do poder da home”, estamos assistindo a uma consolidação do mobile como principal fonte de tráfego. No Financial Times, por exemplo, 60% do tráfego do site da publicação tem origem em dispositivos móveis.

Nos projetos que participo em Boston, o cenário não é diferente, o mobile é a nossa principal porta de acesso.

Perceber que o tráfego vindo da home vem caindo não é um problema. O preocupante é não dar o devido valor ao crescimento do mobile como fonte de tráfego.

3) Fuga de talentos e o problema de contratação
Esse é o ponto que considero mais importante no relatório. É a primeira vez que um documento oficial toca num dos principais problemas atuais das empresas de jornalismo: a fuga de talentos e a dificuldade de contratar pessoas talentosas na área digital.

Segundo o relatório, esse tipo de mão de obra especializada é cada vez mais disputada no mercado e o jornal não tem encontrado meios de atrair nem manter esse tipo de profissional.

Na realidade, esse não é um problema exclusivo do NYTimes. É uma adversidade do mercado como um todo. Em menor grau, startups também têm dificuldades de contratação, apesar de serem atualmente o “lugar dos sonhos de trabalho” para os profissionais mais ousados da área digital.

Participei recentemente de um workshop sobre contratação no Laboratório de Inovação de Harvard. E um dos principais pontos levantados foi: evite as indicações e as referências.

Indicações são boas ferramentas, pois minimizam o risco no processo de contratação, mas, por outro lado, criam um círculo vicioso: a tendência de contratar quem pensa igual.

Empresas apoiadas demais em círculos de referências tendem a contratar pessoas que elas conhecem e com quem trabalharam bem no passado, o que é um perigo, posto que cada situação é diferente. Talvez o que tenha funcionado no passado não funcione mais hoje. No digital, esse alerta faz bastante sentido.

Possivelmente correr mais riscos no processo de contratação e ter pessoas com uma experiência mais diversificada ajude o NYTimes a atrair pessoas mais talentosas na área digital.

4) Mostra que o jornal pode fazer mais no digital
Ainda que tenha um tom pessimista a uma primeira leitura, no geral, o relatório é positivo, demonstra por parte do NYTimes uma certa humildade, um reconhecimento dos erros e uma consciência de que a publicação pode fazer mais em sua presença digital.

O documento tem um ponto histórico importante: a constatação oficial de que o principal problema da publicação é de processos. O NYTimes como um todo ainda pensa em e respira com “impresso primeiro, digital bem depois”, apesar de ter uma equipe de 445 tecnólogos (número de dar inveja a qualquer empresa de software).

E esse reconhecimento é positivo. Sai daquele discurso simplista de que o contratempo atual das empresas de jornalismo é simplesmente de conteúdo ou de tecnologia. É o primeiro passo para a publicação questionar e inovar seus processos.

Sem esse questionamento, o NYTimes periga seguir o sombrio caminho de diversas outras publicações, como o The Daily, que tinha tecnologia, tinha conteúdo, mas possuía processos desatualizados, do tempo em que a primeira coisa que as pessoas faziam logo de manhã era abrir um jornal numa mesa de café.

Prefácio da 3ª edição de Webwriting

Essa é uma das coisas que mais tenho orgulho. Fui convidado por Bruno Rodrigues para escrever um prefácio para a terceira edição do seu livro Webwriting (lançado neste mês), o primeiro em língua portuguesa sobre redação e informação para web.

Lembro que a primeira vez que tive contato com a obra foi em 2000, ainda na primeira edição. Logo tornou-se uma referência para mim. Achei sensacional e valioso. Finalmente, um livro em português para auxiliar no que ainda era feito meio que às cegas e tateando na época.

De lá para cá o tempo passou, mas o básico permaneceu: a importância da palavra e do capricho na produção de conteúdo sob medida para a internet.

Essa preocupação dá o tema do livro de Rodrigues, o qual mistura conceitos de escrita com arquitetura da informação, usabilidade e marketing.

Webwriting é uma leitura fundamental e que sempre recomendo para quem está entrando no mercado de comunicação digital ou já faz parte dele, mas quer  aprimorar e rever conceitos e técnicas.

Conforme comento no texto que abre a 3ª edição:

“O livro não é apenas sobre como escrever na web ou como a internet vem se tornando onipresente e afetando o dia a dia do profissional de comunicação, mas é, sobretudo, a respeito da relação ‘homem-computador’, que se reflete no binômio ‘texto digital-usuário’, dissecado de forma brilhante por Rodrigues.

Nesse contexto maior e mais preciso, Webwriting faz parte de um movimento que busca colocar o ‘ser humano’ no centro da experiência digital por meio do entendimento da interação ‘homem-dispositivos digitais’. Para um profissional de comunicação atuante, é mais do que essencial entender essa interação”.

Detalhes de Webwriting, que também conta com uma versão digital, podem ser encontrados na página da editora Atlas.